Foto: Ootimista.
PETROLINA E JUAZEIRO DO NORTE
08-12-1990
A VARIG inventou umas estranhas rotas aéreas em direção ao Nordeste. Uma delas levou-me a Juazeiro do Norte, via Petrolina e Campina Grande, e Recife. Pelo interior, por cidades com vocação industriosa, mourejante.
Petrolina e Juazeiro são cidades gêmeas, separadas pelas águas barrentas do Velho Chico [rio São Francisco]. Depois da barragem ciclópea de Sobradinho, com o sertão virado mar, a região também virou verde, após a irrigação. Até uva produz. E já surgem os primeiros espigões da prosperidade e da especulação imobiliária. Como seriam todas as margens do São Francisco se um programa mais audacioso de irrigação proliferasse??!!
Campina Grande é outro exemplo de que o nordestino é antes de tudo um forte; como vaticinou Euclides da Cunha, ao regressar de Canudos. Daquele sertão ensolarado tira-se tudo, até leite de pedras... Campina Grande é próspera e pobre, industrial e artesanal, a “São Paulo da Paraíba”, empreendedora, pujante.
E que dizer de Juazeiro do Norte?! Mística ou executiva? Em torno de suas igrejas, seus trabalhadores ganharam a fama de criativos, persistentes, improvisadores. Fala-se de que ali não há limites para os desafios: dos tornos saem qualquer encomenda, inventa-se, recria-se, avia-se, apronta-se qualquer peça de demanda. E é verdade: as mãos modelam formas várias, empreitas impossíveis. Os ourives são às centenas. Os oleiros, os marceneiros e os ferreiros às centenas. Os oleiros, os ferreiros também.
Lá no alto a imensa estátua do Padim Ciço, o rebelde padre sertanejo, líder e santo.
O comércio é amplo, forte, rústico e sofisticado. Oferece do fumo de rolo e rapadura às modernidades da eletrônica. E, é lógico, estatuetas do Padre Cícero, devoção coletiva, unânime.
Das multidões de devotos, dos romeiros trapistas só conheci ex-votos, as lembranças de pedidos atendidos, os registros dos bens alcançados, dos milagres professados.
E os santeiros?! E os ceramistas inspirados? Há artistas populares às dezenas, na tradição religiosa ou pagã.
Juazeiro do Norte é um oásis no sertão verdejante do Cariri, protegido da caatinga feroz nas milhas circundantes. E Crato, a vetusta e senhorial cidade irmã conserva seus ares do coronelato cearense, de sua aristocracia sertaneja.
Região bonita, próspera, ilhada, orgulhosa. Um Brasil interiorano, telúrico, caboclo mas com galas urbanas, mundanas.
Um cenário circundante de Glauber Rocha, com arremedos de caatingas e realidades de romeiros e fanáticos, e a modernidade emulatória dos novos habitantes, com locadoras de vídeo e fornos de micro-ondas.
Os velhos telhados coloniais e as torres bíblicas de uma devoção perene, convivendo com as antenas parabólicas que captam a TV Globo e as lambadas da estação.
Um brasil brasileiro, com todas as tintas e matizes.
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